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Rolhas recolhidas
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Árvores plantadas

Biodiversidade e serviços ambientais

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Cerca de 30 por cento da área terrestre do mundo e um terço da área terrestre da União Europeia está (ainda) coberta de florestas de vários tamanhos e formas. No entanto, algumas são especiais, como é o caso da Amazónia, as florestas da bacia do Congo ou a paisagem selvagem do Alasca. Estas são reconhecidas por todo o mundo, inevitáveis de aparecerem numa maratona de 24 horas do canal NatGeo. Amazónia, Congo, Alasca e alguns outros são os “pop stars” dos ecossistemas florestais. Mas porquê? Essencialmente por serem únicos, representarem berços das civilizações e derradeiros espaços selvagens, ou porque representam espécies preciosas ou mesmo talvez por serem vitais para a sobrevivência do Homem, suportando e regulando alguns serviços essenciais como a chuva, a produção de oxigénio, o sequestro de carbono e o eterno deleite para quem as contempla.

É crença comum que o homem prosperou mais em regiões onde a Natureza revelou alguns dos seus maiores segredos e apoiou os humanos de formas inesperadas, com oferendas como a caça abundante, a enorme diversidade de plantas, muitas delas comestíveis e com grande valor medicinal, um abrigo, um lar e condições para prosperar e algumas vezes, apenas em ocasiões especiais, uma prenda rara e muito especial, como é o caso da cortiça. Curiosamente, a cortiça é uma ‘aberração’ da Natureza, porque na grande maioria das espécies de plantas, quando se extrai um anel da casca significa a morte da planta, mas isto não acontece no caso do Sobreiro (Quercus suber). Além disso, é possível simplesmente colher uma boa parte desta casca especial sem comprometer e muito menos matar ou magoar a árvore. É quase como um milagre, do ponto de vista biológico. E isto chamou à atenção do Homem. Perante ele, uma das mais surpreendentes matérias-primas que a Natureza concebera, resistente à água e ao fogo, leve, flexível e durável.

O facto mais surpreendente é que estas árvores ocorrem numa das áreas mais emblemáticas do mundo, um dos berços da Civilização, a Bacia Mediterrânica. E os Sobreiros não estão sozinhos; na verdade, eles fazem parte de uma família bem-sucedida, os Carvalhos; encontrando força na diversidade, associando-se a milhares de fungos, plantas e animais, formando uma das mais importantes florestas do mundo, devido à sua forte ligação exclusiva com as comunidades humanas e que fundaram alguns dos mais fortes e desenvolvidos países do século XXI. Entre estas florestas únicas veio uma extraordinária invenção humana, o ‘Montado’, um ‘híbrido’ entre a floresta, a agricultura extensiva e a exploração animal e que é vital para nós, pois suporta e regula alguns serviços cruciais como as chuvas, a produção de oxigénio, o sequestro de carbono e o eterno deleite para quem as contempla.

Perder esta floresta especial seria como perder parte da nossa cultura, como Europeus, da nossa alma colectiva, o nosso próprio Eu. Só porque algumas coisas não têm preço, não significa que não lhe possamos atribuir um valor, mesmo que o preço seja difícil de alcançar, sabemos que ele existe e que não é zero.

O Montado de Sobro faz parte da Natureza e está emerso nos nossos genes, na nossa sociedade e visão de grandiosidade. É o habitat de várias espécies de plantas e animais ameaçadas. Muito foi escrito acerca do Lince Ibérico, mas e as dezenas de espécies de anfíbios, as mais de 200 espécies de aves, os inúmeros insectos e centenas de plantas e cogumelos que compõem estes ecossistemas, os “Ecossistemas da Cortiça” únicos e preciosos, embora frágeis, pois dependem fortemente da habilidade do homem para geri-los ou voltarão para o seu estado inicial de floresta mista, densa e, curiosamente, menos rica em biodiversidade. É mesmo o tipo de situação que merece umas boas horas nos canais NatGeo e talvez BBC, CNN e Bloomberg, pois representam um desafio único para a economia moderna, elevando as expectativas dos proprietários que durante várias décadas sabiam que estas árvores davam mais do que cortiça.

Na verdade, estes “Ecossistemas da Cortiça” apoiam-nos em formas que outras florestas e plantações não o conseguem fazer, nomeadamente abrigando várias espécies protegidas e em risco de extinção, providenciando mosaicos sensíveis de bosques ribeirinhos e zonas húmidas, matagais, bosquetes mistos, prados, areias e fragas. Estes, todos juntos, fornecem mais do que biodiversidade; providenciam o reabastecimento de água, regulam inundações, diminuem o risco de pragas e doenças, albergam uma grande diversidade de polinizadores, formam os solos vitais para as terras agrícolas, armazenam carbono durante muito tempo e produzem oxigénio, paisagens deslumbrantes e valores culturais e tradicionais que têm passado pelas gerações durante séculos.

E agora o dilema: estes “Ecossistemas da Cortiça” são valiosos principalmente pela produção de cortiça e de gado, mas, no entanto, produzem muito mais do que apenas cortiça, pasto, carne e madeira. Providenciam serviços de ecossistema que são usados por todos nós e não apenas o dono da propriedade. Muitos dos serviços acima mencionados têm um valor social e económico, como o solo e a água, por exemplo. Então porque não o valorizamos adequadamente e aumentamos o valor económico de ecossistemas como o Montado de Sobro, tornando-os em ecossistemas “pop star”, adequadamente reconhecidos pela sociedade?

Precisamos de uma estratégia ampla de disseminação, demonstração e reforço da importância da “Cortiça para além da Cortiça”, ou seja, promover oportunidades de desenvolvimento humano verdadeiramente sustentáveis, sem sonhar em voar para as nuvens brancas da floresta da Amazónia ou para a vastidão selvagem do Alasca. Por vezes, a Natureza no seu melhor está apenas a uns quilómetros de distância, onde o Homem é uma verdadeira parte dela.

Texto de Nuno Gaspar de Oliveira

(Nota: Adaptado de texto originalmente publicado no Anuário 2011 da APCOR)

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